Medidas, limites e outras procuras


"Gosto, sim, de mulheres ousadas, daquelas que não têm receio de assumirem-se lindas, sexys e maravilhosas. Mulheres que sabem bem o que querem - e o que não querem! - sem se importar com conceitos antiquados ou tabus. Mulheres de um novo tempo: o tempo delas! O tempo de elas serem tudo o que podem e o que quiserem ser, após tanto tempo de repreensão. Mulheres ousadas são, sim, mulheres que ultrapassam fronteiras, são verdadeiras agentes de transformação de uma sociedade ainda tão hipócrita."

Essa frase de Augusto Branco é uma grande idealização, do tipo impossível de alcançar. Esse modelo perfeito de mulher é o que torna difícil saber direito quem somos de verdade. Nascidas sob a pecha de eternas donzelas, ainda não entendemos o quanto somos disso ou daquilo, até onde somos o que queremos ser ou se atuamos papéis diversos sufocadas por cobranças do gênero augustiano de que "nosso potencial é ilimitado", somos todas, somos heroínas, somos perfeitas.

Falo de cadeira: adoro cuidar, mas morro de medo de virar "mãe" de quem não é filho (medo de ser mãe da amiga, dos sobrinhos, do namorado, até da mãe). É fácil confundir-se nas frases preocupadas e assumir lugares inversos. Ainda por cima, tem o pavor de invadir o que não é meu e o outro pavor maior ainda de, por causa disso, ficar ausente. Difícil a medida exata.

Assim como eu, o outro também tem seus medos e, todo mundo há de concordar, o planeta virou individualista e se protege em pânico de perder a individualidade (se bem que, do pouco que eu sei, só teme perder a individualidade quem nunca a construiu). E a gente vai emitindo sinais oblíquos por conta disso, ora puxando, ora empurrando, na tentativa sofrida de garantir algum espaço (que espaço?) para chorar sozinho.

Uma vez, durante um almoço, a conversa descambou para relacionamentos, assunto beeeem indigesto para aquela hora. Teorias atravessando para lá e para cá, a única conclusão a que chegamos foi a de que o maior inimigo de todos os momentos é o orgulho. É ele que tenta impor limites desnecessários para proteger nossa posição, nosso brio, a auto-estima que todo mundo vomita sem nem mesmo entender o que é isso.

Eu, particularmente, me sinto péssima sempre que me deixo levar por esses sentimentozinhos bestas, que me tornam incapaz de enxergar o outro, que não me protegem, mas, antes, me afastam, me isolam, me deixam vazia. Difícil distinguir orgulho de dignidade, limite de preservação, medida de bobagem, mas dá pra saber pela emoção que vem depois. Dá pra saber.

Há desafios demais na vida que a gente leva, mas mais ainda na vida que a gente escolhe. Escolher é caminhar por um lugar desconhecido, perder a dosagem, criar a dosagem, destruí-la e aprender de novo. No final das contas, depois de um tempo nessa escola e da lição de casa bem-feita, o orgulho que nasce é de outra natureza: é o de aprender, melhorando a vida e o nosso redor.

As medidas são assim mesmo: complicadas de acertar, confusas de manter, sufocantes de perder. Mas, não tem nada, não. Assim como um bom prato, há que se ter sensibilidade para misturar sabores, sabendo que por melhor que sejam os pratos do chef Ferran Adrià, o que a gente gosta (e precisa) mesmo é de uma boa comida caseira.

Longe de Augusto, sou mais Sophia de Mello:

"Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade. "

Comentários

Anônimo disse…
oi, moça, vc não tem dor de cabeça de tanto pensar?
precisa de descanso! bjs
Augusto Branco disse…
rsrs
Legal ter encontrado o teu blog. Você escreve coisas bem contundentes, mocinha e... quero pedir desculpas se pareço ter desenhado um modelo feminino que torna as coisas mais difíceis pra vcs. Na verdade, eu apenas disse que gosto de mulheres ousadas - o que não significa que eu não goste das que não são ousadas também.rs
Ocorre que ser ousada é, muitas vezes, ser discriminada ou até excluída. Engraçado verificar que não ser ousada pode dar no mesmo também. No final das contas, parece que a grande ousadia acaba sendo "ser você mesma", mesmo que não se saiba exatamente o que é "ser você mesma" ou mesmo que isto não seja ousadia nenhuma...
Ma va bene: bobagem de bobagem, parece que tenho mesmo o dom de escrever bobagens.rs De qualquer modo, achei bem interessante o que tu escrevestes.
Um grande beijo pra você, mocinha!

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