Divagações sobre o ninho
Quando saí de casa, ontem à noite, o céu estava escuro, escuro... e nem era tão tarde assim. Já soprava aquele ventinho frio de outono, mas as árvores pareciam na primavera: carregadas de flores. É a alteração no planeta criando confusão na natureza.
Sei que andei devagar para olhar a praça e a rua, os faróis, os postes, a pouca gente na calçada. Fiquei nostálgica, nem triste nem alegre, só com a lembrança de quando vim morar nesta casa, como vim, porque vim. Foi em 2004 e lá se vão quase 5 anos.
Aqui, senti quase tudo o que se pode sentir na vida. Senti paz e alegria, mas experimentei muito medo e muita solidão, muita raiva e muita angústia. Conheci a apatia, o vazio, mas foi aqui que conheci também o amor, a fé, o respeito, a saudade, a confiança, a paixão, a vocação. Nessa casa entendi que sou mulher e escolhi um caminho, descobri do que gosto, quem sou (eu era tão perdida antes), o que posso, o que não quero, meu desejo, minhas prioridades.
Essa casa é onde verdadeiramente vivo, de onde ninguém me exclui, nem me convida. Nela eu entro como entro no coração de quem me ama, sou querida, mantenho e conservo esse lugar, e nele só entra quem entrou de verdade na minha vida. Aqui tem cheiro, histórias nas paredes. É uma sensação de dar paz a qualquer confusão sentir-se em casa.
Outro dia, convidando uma pessoa a participar das reuniões de Budismo aqui em casa, eu ouvi "é aquela cheia de plantas?", eu sorri "é, sim. É essa mesma". Cheia de plantas. Sempre floridas, sempre verdes, altas, quase árvores. Algumas dão frutos (mexerica e romã), outras invadem o lado de lá, escapulindo pelo muro. Adoram quando chove e são lindas, principalmente quando olho pra elas da porta de entrada.
Não havia um único veio verde quando vim para cá. E eu quis todas elas crescendo aqui mesmo, por isso as comprei bem pequenas. Meio assim como eu: encolhida quando entrei e inteira depois de algum tempo. É bom crescer com testemunha.
Minha casa tem a história que vivi a vida toda porque consegui sintetizar tudo nela, quase como numa catarse. Quase, também, como naquela frase do Thoreau que diz: "se você quer construir castelos no ar, não pense que seu trabalho está perdido: eles estão onde deveriam estar. Agora só falta colocar as fundações embaixo". É, eu coloquei alguma fundação aqui. E fico feliz por isso.
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