Chapeuzinho não vive sem Lobo-mau: mitos da insuficiência


"Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos", quem escreveu isso foi Anaïs Nin, lá pelos idos dos anos 50 do século passado. Anaïs Nin é famosa por sua literatura erótica, é autora de Delta de Vênus, Pequenos Pássaros e Uma Espiã na Casa do Amor.

O que mais me impressiona em seus textos é a absurda intensidade, uma entrega que sempre achei que eu própria não tivesse e, acima de tudo, o despudor em assumir sua imoralidade. Essa, entretanto, não é a melhor faceta de Anaïs Nin. O que ela tem de melhor, eu acho, é a capacidade de transformar os enigmas abissais entre homem e mulher naquilo que é mais simples e primário: foram feitos um para o outro, são carnais, são amantes.

Desde que me entendo por gente leio e ouço por aí rótulos femininos e masculinos, interpretações racionais e científicas a respeito das diferenças entre macho e fêmea. Um é assim, o outro é assado. Um veio de Marte, o outro de Vênus. Um tem hormônios demais; o outro, TPM de dar dó. Tanto tempo gasto em observações sempre me fez perguntar que tempo esse povo arruma para ir lá, de fato, e comprovar tudo isso? Existe alguma entrega real, sensibilidade efetiva para sucumbir a algumas inverdades, outras invenções e algumas desculpas que construímos para nossa incapacidade de ser, basicamente, seres feitos para viver de amor?

Ok, podem me chamar de romântica, eu sou mesmo. Mas, eu acredito, de verdade, que temos tanto medo de dar errado que fazemos tudo para não dar certo, porque, se der certo, o que é que vamos fazer? Ninguém nunca ensinou! Os livros de auto-ajuda estão cheinhos de frases encorajadoras, para serem usadas DEPOIS do fracasso, para o sucesso na 35ª tentativa. E, olha, vou dizer uma coisa que, se eu soubesse antes, teria sido mais feliz mais cedo: com passos tranquilos e reais, dados um a cada vez, sem tanto palpiteiro de plantão, é possível aprender acertando.

É também da nossa escritora acima, a derradeira constatação de que "o amor nunca morre de morte natural. Ele morre porque nós não sabemos como renovar a sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das mentiras . Morre de doença e das feridas; morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho”. Não é isso mesmo que fazemos também conosco? Vamos perdendo o brilho, deixando de cuidar e, quando o olhar já está gasto demais para se encantar, percebemos o que poderíamos ter feito, lá atrás, para viver cheios de deslumbramento.

Cada vez que eu me pego impregnada dessa pressa, da bagunça, do relógio, da poluição e da miopia, eu páro um pouco, vou olhar outras coisas, exercitar o músculo do coração de outro jeito. Lembro da voz mais doce e concentrada, da respiração mais pausada, do outro que me ouve, do amor que eu sinto, que é importante, mais importante do que tudo.

Tem um trecho de Henry e June - Do Diário Intimo de Anaïs Nin, que eu adoro, que traduz um sentimento desnudo, revelado sem vergonha e sem orgulho, quase uma dependência (se essa palavra não fosse tão confundida com bad carma): "Imaginei por um momento um mundo sem Henry. E jurei que no dia que perder Henry, eu matarei minha vulnerabilidade, minha capacidade para o verdadeiro amor, meus sentimentos, com a devassidão mais frenética. Depois de Henry não quero mais amor. (...) Que necessidade profunda dele. Só quando estou em seus braços as coisas parecem direitas. Depois de uma hora com ele, posso continuar o meu dia, fazendo coisas que não quero fazer, vendo pessoas que não me interessam."

Amor nunca se transformará só em pura amizade. Amor, amor de verdade, será alimentado em paixão, sempre. E sempre haverá mais paixão, desde que nunca a percamos em nós mesmos. Como conclui nossa Anaïs, "todos os dias lhe digo que não o posso amar mais, e todos os dias encontro mais amor em mim para ele."

A vida, com esse amor, tem sabor de mais vida.

Comentários

Unknown disse…
Amei!! Estava falando da Anis Nin essa semana, acredita???
Que texto bacana e que vontade que me deu de amar profundamente ....
E de preferência ser amada com muita intensidade e vontade tb!

Beijos!
Gabi
Anônimo disse…
sorte p quem encontrou: eu no caso, hshshs... criatura, vc nao trabalha nao? bjs
Anônimo disse…
Onde vc tava antes de começar a fazer este blog?! Demorou pra mostrar esse talento literário, jornalístico e blogueiro. Mais uma vez parabéns pelo gema...


bjs

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